DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto pela Coligação Reconstruindo São João contra
acórdãos proferidos pelo TRE/MG assim ementados (fls. 397-398 e 444):
Recurso Eleitoral. Impugnação de Registro de Candidatura. Prefeito. Eleições 2016.
Condenação em Ação Civil Pública. Ação de impugnação julgada improcedente.
Deferimento pelo Juiz a quo.
1 - Preliminar de impossibilidade de conhecimento do recurso por ausência de
dialética (suscitada pelo recorrido). Possibilidade de se extrair da peça recursal o
conteúdo decisório objeto do inconformismo da recorrente. Afastada.
2 - Preliminar de ausência de litisconsórcio passivo necessário (suscitada pelo
recorrido). Inexistência de litisconsórcio passivo necessário entre candidatos a prefeito
e vice, a teor da Súmula nº 39 e de julgados do Tribunal Superior Eleitoral.
Afastada.
Mérito.
Para a caracterização da hipótese de inelegibilidade de que trata o
art. 1º, I, ¿l" , da Lei Complementar nº 64/90, é necessário o concurso dos seguintes
requisitos: a) condenação à suspensão dos direitos políticos; b) decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão colegiado; c) ato doloso de improbidade administrativa;
d) lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Cabe à Justiça Eleitoral
verificar a ocorrência da causa de inelegibilidade com base nos fatos e provas dos
autos do processo que originou a condenação à suspensão dos direitos políticos,
guardando fidelidade ao título condenatório da Justiça Comum.
A matéria devolvida à 2ª instância diz respeito à imputação de inelegibilidade com
suporte na condenação transitada em julgado nos autos da Ação Civil Pública nº
0064041-58.2010.8.13.0625. Ausência de condenação à suspensão dos direitos
políticos pelo Juízo competente. Afastada a inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, ¿l" ,
da Lei Complementar nº 64/90.
- A inelegibilidade de que trata o art. 1º, inciso I, alínea ¿g" , da Lei Complementar nº
64/90 diz respeito às hipóteses de decisão definitiva pela rejeição de contas públicas,
proferida pela autoridade competente, desde que não suspensa ou anulada pelo Poder
Judiciário. Fundamento diverso que não pode ser alegado para a imputação de
inelegibilidade em virtude da condenação transitada em julgado nos autos da Ação
Civil Pública nº 0064041-58.2010.8.13.0625.
Deferimento do pedido de registro de candidatura.
Recurso a que se nega provimento.
Embargos de Declaração. Recurso Eleitoral. Impugnação ao Registro de Candidatura.
Prefeito. Condenação em Ação Civil Pública. Ação julgada improcedente. Deferimento
pelo Juiz de 1º grau. Recurso não provido.
Recurso não provido.
Inexistência de ponto omisso, contraditório ou obscuro no acórdão vergastado.
As questões foram tratadas de maneira suficiente, sob todos os seus aspectos
relevantes, no momento adequado. Pretensão de alteração do julgado.
Impossibilidade nesta estreita via recursal.
Embargos rejeitados.
Na origem, a recorrente impugnou o registro de candidatura de Nivaldo José de
Andrade (vencedor do pleito majoritário de São João Del Rei/MG em 2016 com 45,87%
de votos válidos) ao fundamento de incidência das causas de inelegibilidades previstas
no art. 1º, I, g e l, da LC 64/90.
O pedido foi julgado improcedente, deferindo-se o registro
(fls. 344-355).
Seguiu-se recurso, porém o TRE/MG desproveu-o. Segundo a Corte a quo, não se
configurou a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90, tendo em vista provimento
antecipatório de tutela que suspendeu eficácia de ato de rejeição de contas de Nivaldo
José de Andrade pela Câmara Municipal. Concluiu, ainda, não haver óbice à
candidatura previsto na alínea l do mesmo dispositivo porquanto o recorrido não teve
direitos políticos suspensos em processo por ato de improbidade administrativa
(fls. 486-504).
No recurso especial, a Coligação Reconstruindo São João aduziu, em resumo (fls. 450-
472):
a) afronta aos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022, II, do CPC, pois a Corte a
quo deixou de suprir vícios quanto a pontos essenciais ao deslinde da controvérsia,
não obstante oposição de declaratórios;
b) violação ao art. 1º, I, g, da LC 64/90, visto que o recorrido teve suas contas
rejeitadas pela Câmara Municipal de São João Del Rei/MG, referentes ao exercício de
2001, quando exerceu a chefia do Poder Executivo daquela localidade;
c) ofensa ao art. 1º, I, l, da LC 64/90, pois a Justiça Eleitoral deve analisar os
fundamentos de decisum condenatório por ato de improbidade para aferir os
requisitos configuradores da referida inelegibilidade, inclusive no tocante à suspensão
de direitos políticos, ainda que não conste expressamente na parte dispositiva.
Ao final, requereu provimento do recurso para anular o acórdão, determinando
retorno dos autos à origem para julgar novamente os declaratórios, ou indeferir o
registro de candidatura do recorrido.
Contrarrazões às folhas 475-481.
A d. Procuradoria-Geral Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 484-487).
É o relatório. Decido.
Os autos foram recebidos no gabinete em 4/11/2016.
A recorrente alegou que a Corte Regional deixou de enfrentar questões indispensáveis
à solução da causa, a saber:
a) desconsiderou trânsito em julgado da sentença quanto à chance de a Justiça
Eleitoral inferir suspensão de direitos políticos a partir dos fundamentos do decreto
condenatório por ato de improbidade, haja vista que o recorrido não se insurgiu contra
esse ponto em contrarrazões a recurso interposto no TRE/MG;
b) o acórdão a quo é contraditório, pois, de um lado, assentou que compete ao
julgador desta Justiça Especializada extrair a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da
LC 64/90 a partir da fundamentação do decisum condenatório por ato de improbidade,
mas, de outro, entendeu que a Justiça Eleitoral não pode assim proceder no que tange
ao reconhecimento de direitos políticos suspensos.
No entanto, depreende-se do aresto regional que o TRE/MG enfrentou essas questões,
embora em sentido diverso à pretensão da recorrente. A Corte a quo explicitou que a
competência desta Justiça Especializada para extrair os requisitos configuradores da
causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC 64/90 não se confunde com a pena
imposta no processo por ato de improbidade, a qual deve ser estabelecida pela Justiça
Comum e, portanto, constar no dispositivo do decisum. Confira-se
(fls. 416-423):
É assente na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que cabe à Justiça Eleitoral
nesta hipótese verificar a ocorrência da causa de inelegibilidade com base nos fatos e
provas dos autos do processo que originou a condenação à suspensão dos direitos
políticos, guardando fidelidade ao título condenatório da Justiça Comum. Vale dizer
que o dolo do agente, a lesão ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito devem
ser evidenciados na condenação da Justiça Comum, ainda que tais circunstâncias não
constem do dispositivo do decisum.
[...]
O cerne da questão - e a repetição é proposital para enfatizar - é a não ocorrência de
condenação, transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, a suspensão dos
direitos políticos.
[...]
Ficou claro nesses autos a possibilidade de se extrair da condenação em ação civil
pública o ato de improbidade administrativa, o dano ao erário e o enriquecimento
ilícito, ainda que tais qualificadores não constem no dispositivo do decisum.
Entretanto, a análise deve ser fiel ao título decisório sob pena de usurpação de
competência.
[...]
Nesse norte, decidir sobre o cabimento ou não de aplicação de penalidade não
imputada no aresto da Justiça Estadual Comum é evidente usurpação de competência,
inadmissível no ordenamento jurídico pátrio.
Desse modo, não se configurou afronta aos arts. 275 do Código Eleitoral e 1.022 do
CPC/2015.
No que tange ao mérito, a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90 pressupõe contas
rejeitadas quanto a exercício de cargo ou função pública, por decisum irrecorrível do
órgão competente (salvo se suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário), em
detrimento de falha insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa. Confira-se:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
[...]
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas
rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade
administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver
sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos
8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto
no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem
exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; [...]
(sem destaque no original)
No caso dos autos, o decreto legislativo por meio do qual foram rejeidas as contas do
recorrido, referentes ao exercício financeiro de 2001, quando era Prefeito de São João
Del Rei/MG, foi suspenso pelo Poder Judiciário. É o que se extrai do aresto
(fls. 409-411):
No caso em apreciação, a Câmara Municipal de São João Del Rei, por meio da edição
da Resolução nº 2023/2015 (fl. 139), rejeitou as contas públicas do governo municipal,
relativas ao exercício financeiro de 2001, período em que o recorrido exercia a
titularidade do Poder Executivo local.
[...]
Não obstante, no caso vertente, irrelevante a análise e qualificação dos vícios
apresentados, bem como o apontamento de nota de improbidade às irregularidades
que levaram o Tribunal de Contas de Minas Gerais a pronunciar-se pela rejeição das
contas públicas do executivo municipal, no exercício de 2001.
Isso porque, conforme comprovado nos autos (fls. 273-276), o Tribunal de Justiça de
Minas Gerais, nos autos do Agravo de Instrumento nº 1.0000.16.051036-8/001,
deferiu a antecipação de tutela recursal em ação anulatória, para suspender o ato
administrativo da Câmara Municipal de São João Del Rei (fl. 139) que rejeitou as contas
públicas anuais do Poder Executivo, relativas ao exercício financeiro de 2001, quando o
ora recorrido era Prefeito Municipal.
[...]
Nesse sentido, a ocorrência de decretação de nulidade do julgamento da Câmara
Municipal de São João Del Rei, pelo Poder Judiciário, nos autos do Agravo de
Instrumento nº 1.0000.16.051036-8/001, é suficiente para asfatar a imputação de
inelegibilidade do recorrido, conforme se verifica pelos julgados:
Esta Corte Superior assentou que decisum judicial capaz de suspender os efeitos de
decreto legislativo de rejeição de contas de prefeito afasta a incidência da
inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC 64/90. Nesse sentido:
ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. AGRAVO
REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. REJEIÇÃO DE CONTAS ANUAIS. TRIBUNAL DE
CONTAS. CÂMARA MUNICIPAL. PREFEITO. DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDE OS
EFEITOS DO DECRETO LEGISLATIVO E DO JULGAMENTO DAS CONTAS. AGRAVO
REGIMENTAL PROVIDO.
1. Posterior decisão do Tribunal de Justiça do Estado, sobrestando "os efeitos do
Decreto Legislativo nº 001/2014 da Câmara Municipal de Juína-MT e do julgamento
das Contas Municipais do Poder Executivo referente ao exercício de 2012" é fato
superveniente capaz de afastar a inelegibilidade descrita no art. 1º, inciso I, alínea g, da
Lei Complementar nº 64/90, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/97. [...]
(AgR-RO 507-58/MT, Rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, PSESS em sessão
em 11/11/2014) (sem destaque no original)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. DEPUTADO ESTADUAL.
REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. REJEIÇÃO
DE CONTAS PÚBLICAS. LIMINAR. SUSPENSÃO. DESPROVIMENTO.
1. A concessão de liminar no âmbito da Justiça Comum, suspendendo os efeitos do
decreto legislativo de rejeição de contas, afasta a inelegibilidade do art. 1º, I, g, da LC
64/90. [...]
(AgR-RO 708-12/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, PSESS em sessão em
25/9/2014) (sem destaque no original)
No que se refere ao art. 1º, I, l, da LC 64/90, são inelegíveis, para qualquer cargo, "os
que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade
administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde
a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após
o cumprimento da pena" .
A recorrente sustenta que compete à Justiça Eleitoral apreciar os fundamentos de
decreto condenatório por ato de improbidade para avaliar os requisitos
configuradores da referida inelegibilidade, inclusive quanto à suspensão de direitos
políticos, ainda que estes não constem expressamente na parte dispositiva do aresto
da Justiça Comum.
No entanto, ao contrário do que ela defende, para que se suspendam direitos
políticos, é preciso que essa pena esteja expressa no dispositivo do aresto, já que não
decorre automaticamente do reconhecimento da improbidade na fundamentação do
decisum.
De fato, compete à Justiça Eleitoral extrair dos fundamentos do decisum condenatório
por ato de improbidade presença ou não de dolo, dano ao erário e enriquecimento
ilícito, mas, no que tange à suspensão de direitos políticos, por se tratar de uma dentre
as penalidades previstas no art. 12 da Lei 8.429/92, deve constar no dispositivo do
aresto da Justiça Comum, já que cabe a ela estabelecer a pena que entender oportuna.
Na espécie, é incontroverso que a única pena imposta ao recorrido na ação civil
pública por ato de improbidade administrativa foi a de ressarcimento integral do dano.
Desse modo, não se configurou a causa de inelegibilidade do art. 1º, I, l, da LC 64/90,
tendo em vista que não foi condenado à suspensão dos direitos políticos.
Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial, nos termos do art. 36, § 6º, do
RI-TSE.
Publique-se em Secretaria.
Intimem-se.
Brasília (DF), 10 de novembro de 2016.
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator